Documento Orientador da ReBEDH

REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS - ReBEDH

1 - Histórico e motivação da reativação da ReBEDH

Nas décadas 1960 e 1970, a sociedade brasileira vivenciou um dos períodos mais violentos da sua história; contudo, sem desconsiderar as atrocidades do período da escravidão. A instalação de um golpe de estado civil-militar, em 1º de abril de 1964, atentando contra a ordem democrática, constituiu um dos mais longos períodos das histórias das ditaduras militares da América Latina - 21 anos. Fato esse resultado de uma conspiração orquestrada e com a participação direta do governo estadunidense - antecedendo as condições político-ideológicas para legitimação do ato de força - que produziu efeitos devastadores em relação aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Como todo governo ditatorial, este desenvolveu práticas sistemáticas de torturas, prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados, violências de gênero, destituição de mandatos populares, impedimento de acesso aos passaportes interferindo no processo de asilo e na sobrevivência dos perseguidos políticos, fechamento e intervenção nos sindicatos, censura à imprensa e aos movimentos socais.

No campo educacional o autoritarismo representou não só o processo de desmonte da educação básica, com disciplinas doutrinais, a destruição das experiências de educação popular, da expansão da educação superior pública. Esse governo inaugurou processos de intervenção na gestão universitária, ferindo a autonomia acadêmica e de gestão, com invasões de campus universitários pelas forças de segurança, destituição de reitores e direções, perseguição de estudantes, servidores(as) e docentes, instalação da censura acadêmica, atingindo a universidade pública em seus objetivos institucionais.

Esse passado sombrio de nossa história gestou uma herança autoritária, que continua atingindo várias gerações, as quais são estimuladas a desconhecer ou esquecer a memória e a verdade do período da ditadura civil-militar que contribuiu para a cultura da violência que vivemos em nosso país.

Uma outra perspectiva de sociedade com justiça social, liberdade de expressão e participação foi sendo gestada na resistência e nas lutas dos diferentes movimentos sociais, pelo processo de abertura e instalação da ordem democrática. As violações sistemáticas aos direitos humanos no Brasil, em todas as áreas, são incompatíveis com qualquer projeto de desenvolvimento nacional e de cidadania democrática e, portanto, da formulação, defesa e materialização dos direitos de todo/a cidadão/ã.

É, nesse contexto, que a sociedade brasileira, através das organizações sociais, começa a se insurgir contra o regime de exceção, buscando construir o processo de redemocratização do país, tendo como principal fonte de inspiração a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, como grande marco histórico consensuado pela humanidade, após o período da II Guerra Mundial de 1939-1945.

Um dos feitos mais importantes dessa mobilização foi a organização do processo de luta para a elaboração de uma nova Constituição brasileira, aprovada em 1988, que instituiu o "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias" (BRASIL, Constituição de 1988).

E, ainda, a Constituição apresenta como Princípios Fundamentais: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e o pluralismo político, tendo como objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, Constituição de 1988).

É, portanto, nessa nova conjuntura de mudanças políticas, sociais e culturais, que se percebem a necessidade, a importância e a urgência de que sejam criados espaços de resistências, de forma qualificada, no sentido da instrumentalização e formação no campo dos direitos humanos, em que a educação é vista como protagonista para a construção de uma nova organização social.

Assim, em abril de 1995, é criada a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos-RBEDH [sigla da época], sob a coordenação geral da socióloga e militante política Margarida Genevois, com a larga trajetória na Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, junto com um grupo de especialistas e defensores de Direitos Humanos e da Educação em Direitos Humanos. Conforme Margarida, "a democracia exige a transformação do cidadão em um ator político, crítico, consciente, participante, que supere o papel de mero expectador e que pense coletivamente"[1].

A criação da Rede foi motivada pelo conjunto de experiências na área dos direitos humanos que começava a brotar em diferentes organizações sociais e, em vários estados do Brasil, e se constituiu em uma entidade civil sem fins lucrativos e sem quaisquer vínculos político-partidários ou religiosos. Tinha a finalidade de "agregar e promover o intercâmbio entre entidades e pessoas voltadas para educação em direitos humanos"[2]. 

Um dos seus objetivos era oportunizar fundamentação teórico-metodológica para o fortalecimento das experiências, considerando a pouca produção científica, na época, sobre as temáticas dos direitos humanos e da educação em direitos humanos.

É importante destacar as influências, nesse processo, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-nº 9652, aprovada em 1996, em que destaca no Art. 2º: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; do Programa Nacional de Direitos Humanos I de 1996; e da criação da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Tolerância da Universidade de São Paulo. E a RBEDH surgiu também sintonizada, em âmbito internacional, com a Declaração e o Plano de Ação da II Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena (1993) que define a democracia como regime que possibilita a concretização dos direitos humanos e, a educação como vetor de formação cidadã; e com o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos em 1995, desdobrando-se na aprovação da Década da Educação em Direitos Humanos (1995-2004), aprovada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 1994.

Em maio de 1997, a RBEDH organizou o 1º Congresso de Educação, Direitos Humanos e Cidadania na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o qual contou com a participação de representantes de 13 estados brasileiros, além de conferencistas de outros países, em um total de 1200 participantes, constituindo-se em um grande feito para o momento político.

Como resultado desse congresso, a RBEDH junto com 14 organizações sociais de vários estados, elaborou um documento-base: "Capacitação em Direitos Humanos e Cidadania: fundamentos teórico-metodológicos"[3], com a finalidade de subsidiar os processos de capacitação de profissionais e militantes políticos de organizações sociais, entidades e instituições públicas e privadas.

Nesse percurso a RBEDH, tendo como foco a capacitação na área, influenciou a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos-CNEDH, em 2003, na Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, que contou com a participação de vários dos seus integrantes. O principal objetivo do Comitê foi elaborar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos-PNEDH/2003, como primeira política pública na área, com a finalidade de subsidiar as instituições de ensino, organizações sociais na elaboração de planos e projetos de ação com foco na Educação Básica, na Educação Superior, nos meios de comunicação e mídias, nas organizações não governamentais, e na formação de profissionais da justiça e segurança.

Com o trabalho intenso do CNEDH vários membros da RBEDH se engajaram no movimento de construção da política pública de educação em direitos humanos. Nessa ocasião, houve o arrefecimento das ações da RBEDH e sua posterior desativação no final da década de 2000. No entanto, foi nesse período que ocorreu uma expansão de políticas públicas para áreas e grupos sociais que foram historicamente invisibilizados: crianças e adolescentes, idosos(as), negros(as), pessoas com deficiência e com orientações sexuais e religiosas diferentes, quilombolas, mulheres, entre outros.

Entretanto, como todo movimento político, social, tem seus avanços e retrocessos. O crescimento da participação popular no encaminhamento destas políticas públicas produziu a inquietação dos setores historicamente privilegiados o que, com a crise intensa do modelo de capitalismo neoliberal, levou a mudanças do poder do Estado e a reimplantação dos projetos internacionais de concentração de renda nas mãos de um percentual ínfimo da população mundial. Ao mesmo tempo aprofundou-se a política de retirada de direitos econômicos, sociais e culturais de amplos setores acarretando empobrecimento e marginalização. A estes fatores, presentes já nas décadas de 1980/1990, somam-se agora a imensa crise ambiental e uma prática continuada de exaltação do medo e dos múltiplos tipos de ódios sociais.

O governo atual - com perfil ultraliberal, teocrático, civil-militar e conservador - é refratário aos direitos humanos, como ficou demonstrado na edição do Decreto nº. 9. 759 de 11 de abril de 2019, que extinguiu conselhos e comitês da área, inclusive o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Por essa razão, mobilizaram-se iniciativas da sociedade civil para garantir as conquistas educacionais alcançadas ao longo das duas primeiras décadas do século XXI, e promover novos projetos e ações solidários e participativos.

É, nesse contexto que surge a necessidade e a importância de aglutinar forças, de maneira organizada, que a Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos - ReBEDH busca retomar o seu trabalho como forma de contribuir com a construção de uma sociedade solidária, justa, igualitária, inclusiva e uma educação socialmente referenciada na defesa e ampliação dos direitos humanos.

2 - Objeto da ReBEDH

A REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS - ReBEDH é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, suprapartidária e supra religiosa, de articulação e cooperação entre pessoas, grupos, movimentos sociais, entidades e instituições da sociedade civil que atuam na Educação em Direitos Humanos.

3 - Finalidade da ReBEDH

A ReBEDH tem a finalidade de contribuir para o fortalecimento da democracia no país, por meio da promoção da educação em direitos humanos, na perspectiva da formação cidadã, do respeito integral aos direitos humanos, da defesa da justiça social e ambiental, realizando práticas de educação emancipadora, crítica, problematizadora, inclusiva, intercultural e democrática.

4 - Concepção da ReBEDH

A ReBEDH realiza as suas finalidades por meio de processos de articulação, de troca de conhecimentos e saberes, iniciativas e ações colaborativas entre os seus membros e parceiros(as). A concepção de atuação articulada da ReBEDH deverá favorecer a criação de ações coletivas que visem o fortalecimento, a ampliação e a consolidação da Educação em Direitos Humanos.

5 - Princípios da ReBEDH

  • A defesa do Estado Democrático de Direito.
  • A dignidade humana como condição de vida.
  • A luta em favor da educação, concebida como um direito humano e fundamentada nos direitos humanos.
  • A não aceitação de qualquer tipo e forma de discriminação em razão de: etnia, origem, raça, cor, sexo, religião, orientação sexual, condição física, posição filosófica, ideológica política e/ou religiosa.
  • A defesa do Estado laico.
  • O enfrentamento às desigualdades sociais.
  • A promoção da equidade.
  • O respeito às diferenças: socioculturais, étnicas, religiosas, políticas, de gênero e de orientação sexual.
  • A defesa da justiça social e ambiental.
  • A interdisciplinaridade como meio de compreensão do mundo e orientação epistemológica.
  • A solidariedade entre pessoas, grupos sociais, comunidades e nações.
  • A educação para a construção da cidadania intercultural e democrática.

6 - Concepção de Educação em Direitos Humanos

A ReBEDH adota o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos do Brasil (BRASIL, PNEDH, SEDH, 2003) e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (BRASIL, CNE/MEC, 2012) como orientadores de suas ações, políticas e iniciativas.

Com base nesses documentos, a ReBEDH assume que: "A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações" (BRASIL, PNEDH, 2003, p. 25).

7 - Estrutura e organização da ReBEDH

As ações da ReBEDH são desenvolvidas de forma colegiada. Para isto, a ReBEDH se organiza com uma Coordenação Geral, atuante em esfera nacional e Coordenações Estaduais, atuantes nas esferas estaduais, mantendo-se a cooperação e a unidade internas, de acordo com a seguinte estrutura:

Coordenação Geral:

  • Coordenador(a)
  • Vice-coordenador(a)
  • Secretária(o)
  • Vice-secretária(o)
  • Tesoureiro(a)
  • Vice-tesoureira(a)

Coordenações Estaduais:

  • Coordenador(a)
  • Vice-coordenador(a)

A Coordenação Geral é escolhida entre os(as) associados(as) participantes da ReBEDH.

As Coordenações Estaduais são escolhidas entre os(as) associados(as) da ReBEDH, nos seus Estados, de acordo com o Regimento.

8 - Membros / Associados(as)

ReBEDH tem número ilimitado de Membros/Associados(as) constituídos por pessoas físicas, grupos, movimentos sociais, entidades e instituições da sociedade civil, ONGs, Universidades, Núcleos de Estudos e Pesquisas, desde que tenham atuação na área de Educação em Direitos Humanos.

A ReBEDH admite como integrantes as seguintes categorias de Membros/Associados(as):

  • Membros Fundadores(as) - consideram-se Membros Fundadores(as) aqueles(as) integrantes que assinaram a Ata de refundação da ReBEDH;
  • Membros Honorários(as) - consideram-se Membros Honorários(as) aqueles(as) integrantes que possuem reconhecimento nacional e/ou internacional na área de Educação em Direitos Humanos;
  • Membros Associados(as) - consideram-se Membros Associados(as) aqueles(as) integrantes que forem admitidos(as) à ReBEDH, após ato de aprovação pelo Colegiado.

A ReBEDH admite como Membros Associados(as) requerentes que solicitarem a sua integração à Coordenação Geral, mediante o preenchimento de formulário próprio.

No formulário, o(a) requerente deve expor a sua motivação e interesse em participar da ReBEDH, devendo demonstrar a sua aproximação com estudos e ações de Educação em Direitos Humanos, o que é analisado pela Coordenação Geral, e submetido à aprovação pelo Colegiado.

Brasil, 3 de dezembro de 2020.


[1] In: "Capacitação em Direitos Humanos e Cidadania: fundamentos teórico-metodológicos". Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, 2001, p. 5. Disponível em: https://dhnet.org.br/educar/a_pdf/redeedh_capacitacao_edh_metodologia.pdf

[2] Idem, ibidem, p. 9

[3] Idem nota 1.

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